segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Clímax rotineiro.

O meu clímax rotineiro é a luz saltando na frente dos meus olhos, me dizendo bom dia sadicamente.
As pessoas vão e vem, imagino o que elas pensam, respiro fundo, minha cabeça dói, eu ando, meu sapato machuca meus pés, eu ouço, eu falo, eu não lembro o que falei.
Espasmos de presente.
Ainda não, mas falta pouco.
Não, você não sabe, ninguém pode saber. Sei saber o que não se sabe.
A lucidez eu não sei onde está, foi internada no hospício, não sei qual.
Do último andar tenho náuseas, medo, de pressa desço no andar errado, mais tempo de tortura, por minha culpa.
Me arrependo, o tempo não tem fim, o tempo é o fim, me arrependo.
As gotas caem do céu, todos correm, parece ácida, ninguém quer senti-la, eu não quero molhar.
A velha atravessa a rua, indefesa, um dia não foi, frágil, um dia não foi, sinto dó, um dia não senti.
Peço pra entrar em casa, não tenho a chave, a casa é minha, não só minha, entro.
Lembro do seu sorriso, ligeiramente torto, que significa arte contemporânea, e sorrio, torto, que significa arte abstrata.
Durmo.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Como no século XIX.

Eu trazia em mim os vazios do mundo inteiro e nas costas curvadas, toneladas, ausências. No horizonte eu via naufrágios e sentia sede e também fome, fome de terra firme. Me espalhei em muitos abraços, segurei em muitas mãos ásperas que me arranhavam a derme, recebi muitas transfusões de sangue, sangue contaminado.
Tudo era efêmero mas a dor deixada era eterna.
Me assustei com o seu olhar oblíquo, ele me dizia que você não tem medo de nada. Eu achava que sabia das coisas até assistir a esse olhar. Fiquei tão vulnerável, era como se eu me despisse no frio, tremia e temia.
Me desfiz dos vazios porque você preenchia todo ele, me desfiz das toneladas e ausências porque você era mais leve e não me deixava com as costas curvadas. Continuei vendo naufrágios no horizonte porém sem sede e fome. Minha derme não era mais arranhada, minha alma sim. Fiquei saudável e de transfusões não precisei mais.
Mas tudo era efêmero, então desejei que mesmo que acontecesse num lapso de tempo, que esse lapso se confundisse com uma eternidade.
Eu me sinto no século XIX, dentro de uma história do movimento romântico.
Eu sinto, desejo e penso hiperdimensionadamente. É um pensamento que fica gritando o tempo todo, grita mas permanece mudo, porque eu, eu não vivo no mundo onírico onde vivem os poetas e consequentemente não posso gritar esse pensamento poético.
Mas sua delicadeza me silencia, delicadeza que parece ainda maior quando estou só. Fecho os olhos e ouço por dentro, ouço você, até o som coagular e eu dormir. Um desfecho menos trágico do que no romantismo porém não menos doloroso.