Coube a mim fazer o trabalho sujo e o fiz – com força brutal, demorada e silenciosa.
Primeiro esbocei teus traços até chegar ao ideal superando o
imaginário comum, acentuei teu humor, medi teu tamanho, cantei tua voz, palpitei
tuas impressões, dosei tua sensibilidade,
modelei tua beleza, aumentei tua força.
Desenhei você, esqueci porém de traçar teus passos.
Amava antes de terminar essa árdua obra, amava minha
criação.
Terminei, esgotada.
Descansar eu fui, feliz por ter feito algo tão magnífico.
Dormi, por dias, sonhando sempre com a perfeição que criara, a cada suspiro uma
massagem no meu ego.
Acordei, logo surpresa com a baixa gratificação, minha obra
agora viva havia partido traçando teus próprios passos, deixando-me, castigando-me pelo meu
pecado de ter esquecido desse mero detalhe.
Como pode, uma obra não amar teu criador?
Como pode, você não me amar?
Como pode, você não me amar?