sexta-feira, 19 de julho de 2013

Delito.

Passado algum tempo, livrei-me do flagrante.
Pude enfim, assim, postular-me diante da consciência.
Agora condensada com o roçar dos dedos no teclado;
Senti saudades!
Mas logo fecho essa frestinha de antiguidade.
O mofo, às vezes faz mal.
Serei absolvida, eu sei.
Talvez para cometer o mesmo delito novamente.

domingo, 27 de janeiro de 2013

Esqueci de ser museu.


Coube a mim fazer o trabalho sujo e o fiz – com força brutal, demorada e silenciosa.
Primeiro esbocei teus traços até chegar ao ideal superando o imaginário comum, acentuei teu humor, medi teu tamanho, cantei tua voz, palpitei tuas impressões, dosei tua sensibilidade,  modelei tua beleza, aumentei tua força.
Desenhei você, esqueci porém de traçar teus passos.
Amava antes de terminar essa árdua obra, amava minha criação.
Terminei, esgotada.
Descansar eu fui, feliz por ter feito algo tão magnífico. Dormi, por dias, sonhando sempre com a perfeição que criara, a cada suspiro uma massagem no meu ego.
Acordei, logo surpresa com a baixa gratificação, minha obra agora viva havia partido traçando teus próprios passos, deixando-me, castigando-me pelo meu pecado de ter esquecido desse mero detalhe.
Como pode, uma obra não amar teu criador?
Como pode, você não me amar?

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Uma história previsível.


Um homem.
Não sei o que acontecerá, mas é certo que morrerá.
Embora cultivasse um canteiro de ervas daninhas, personificadas de rancores passageiros - era um homem de amor.
Com potencial para eclodir um som capaz de abrir as portas da percepção,  prefere fazer eclodir  o som da rolha da garrafa de vinho.
Ah, por que mesmo descrever experiências?
Pois nessa vida, nem mesmo um tornado, é assim tão inesperado.
Agora, nas próximas 48 horas com o rompimento do peritônio, tinham de impedir a proliferação das bactérias.
Maquinista. Aposentado.
Mas é inexorável chegar ao final da linha, independente de estar ou não nos trilhos.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

O discurso.


Ouça bem meu discurso, pois vou fazê-lo com entusiasmo:




                                                                                       !

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Eu tenho uma eternidade ainda.


Ilusoriamente acompanhada, todo aquele ácido aprisionado no estômago, borbulhando. As contrações cardíacas se alternavam entre rápidas e lentas e meu corpo inteiro acompanhava o ritmo. Lento. Rápido. Lento. Rápido.
Consegui ouvir o monólogo dentro da minha cabeça e ao mesmo tempo via todas aquelas bocas gesticulando-se em câmera lenta ao meu redor, muitas vezes gesticulavam para mim. Eu queria dizer alguma coisa, mas eu era afônica naquele momento.
Um cavalheiro cheio de gentilezas, uma moça cheia de delicadezas, abraços e sorrisos, o cheiro era bom que chegava asfixiar, a música era a mesma há algumas horas, socava meus tímpanos brutalmente. Eu levantava os braços e oferecia um brinde de agradecimento a algo que nem eu mesma sabia o que era, sujava-me toda, não tinha destreza para manter o equilíbrio.
Sentei-me exausta e disse a um desconhecido aleatório que havia uma eternidade que eu sobrevivia e hoje eu a comemorava. Fechei os olhos.
Quando abri, estava sobrevivendo a outra eternidade, restava-me agora uma família que reclamava da sede de chuva depois de uma longa estação de sol.
Num impulso literário, eu comecei a escrever, meus dedos caminhavam sozinhos e achei que nunca iria parar mas não tinha importância, eu tinha uma eternidade ainda.
Enquanto meus dedos caminhavam ilustrando o papel, a canção dizia: Kiss me hard before you go... Não fui beijada, mas eu tenho uma eternidade ainda.
Eternidade que diminui para anos, meses, semanas, dias, a cada vez que comemoro.
Eu tenho uma eternidade ainda...

domingo, 30 de setembro de 2012

Noite qualquer.

Meu vizinho instalou uma luz na direção da minha janela, fecho as cortinas mas não resolve muito, aquela claridade intensa permanece... Passo a noite em claro literalmente.  Então levanto-me e sento-me de frente a janela olhando fixamente, personifico a luz e começo a desejar estar lá fisicamente, farejar, apalpar.
O desejo úmido passa, torna-se seco mas ainda queima, ainda derrete.
Fico furiosa com minhas vontades, praguejo minha própria existência e depois, em alguns momentos, eu paro exausta com minha própria ira, durmo, de mal jeito, fora da minha cama.
E amanhece. Nasce a manhã e morre o meu pecado.
Mas ele volta, ele sempre volta.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Naquele lugar.

De lá, tinha orador com o discurso, com um vasto e sedutor vocabulário. De cá, tinha rosto com traços violentos olhando tudo com seus olhos de louco que intimidam. Acolá, tinha alguém muito seguro que exalava cheiro de prepotência, aos mais sensíveis cheiro de arrogância. Ali, tinha pessoa de olhos fechados que balançava seu corpo como se ouvisse e vivesse em algo psicodélico. Por lá, tinha homem de pernas agitadas esperando a chegada de algo. Na frente, tinha mulher de pernas trêmulas e com as mãos sobre a face, aumentando o efeito cênico. Atrás, tinha senil de estrutura decadente no ápice de seu último colapso. Do lado, tinha jovem expulsando seu monstro interior através de vômito. Por ali, tinha criança comendo terra como se fosse a coisa mais gostosa do mundo. Aqui, tinha inspirador profissional, quando expirava brincava com os desenhos que sua própria fumaça fazia. Diagonal, tinha aventureiro que apertava a mochila pra caber mais e soltava um sorriso sereno. Paralelo, tinha leitor que chorava um choro imaculado derramando o líquido em seus papeis.  Em cima, tinha aprendiz de voo, creio que não aprendera.  No chão, tinha algo rastejando, porém não era nenhum réptil.
E eu?
Perguntava-me a mesma coisa.